Certas coisas a gente não esquece, não acabam dentro da gente. Pelo
contrário, ficam latentes e doem quando delas lembramos. Dizem que a memória
até pode ajudar a conservar nossa história, mas que só esquecendo o passado
podemos planejar o futuro. Eu não consigo me imaginar virando as páginas que
contêm as lembranças melhores da minha vida. Quero ficar bem velhinha e poder me
lembrar das peraltices que cometia no decorrer da minha infância e
adolescência. Quero poder contar as histórias que permeavam a minha vida de
outrora e poder rir muito de mim, me recordando de trás para frente. Naquela
época, eu era apenas uma menina que olhava a vida, mas não enxergava o mundo.
Hoje, quando adormeço, sonho com meus irmãos e com as artes e
brincadeiras que fazíamos. Lembro-me do tempo em que meus irmãos e eu, única
mulher entre os cinco irmãos homens, vivíamos em busca de grandes emoções, do
tempo alegre em que a juventude teimava em não fugir de nós. Tenho saudades do
tempo em que eu era protegida por todos eles, apesar de ser a terceira da fila.
Vivia correndo atrás deles, subindo em árvores, jogando “bolitas”, fazendo fogueiras
de São João, brincando de pega-pega e de esconde-esconde. A diferença de idade entre um e outro, era de
um a dois anos e quando todos estávamos na adolescência já não se percebia mais
esta diferença entre nós.
A nossa casa ficava no segundo
andar de um sobrado e há muito ela se foi. Lembro do meu quarto que ficava de frente
pra a rua e que ali, muitas vezes, me acordava de madrugada ao som de lindas
serenatas. Eu era uma menina ingênua e cheia de sonhos pueris.
No entanto, muitos anos se passaram, mas meus irmãos ainda continuam em
mim e o meu sobrado também. Nossos avós se foram e nossos pais se mudaram pra
casa que antes eram de deles, todos nós casamos e tivemos filhos, mas por
longos anos continuamos a nos encontrar, aos domingos, para um churrasco regado
a muitas risadas e brincadeiras. Até hoje me lembro da nossa mãe sacudindo a
sua “barriga”de tanto rir das nossas artes. E entre uma risada e outra,
acabávamos a nossa tarde de domingo retornando aos nossos lares com a alma leve
e tranquila, pois sabíamos que os dias
passariam rápidos até o próximo domingo, quando todos nos estaríamos juntos
novamente.
Um belo dia, acordei e vi que nossos pais também não estavam mais ali e,
aos poucos, todos nós fomos nos afastando uns dos outros, e o fim de cada
lembrança foi sendo executado, aos pouquinhos, sem que eu percebesse, já faz
bastante tempo.O sonho, já sem forças, foi se apequenando, restando apenas, ainda,
algumas lembranças que teimam em continuar em mim. Tenho sonhado com elas
noites seguidas. Fecho os olhos, e me vejo ora correndo atrás de meus irmãos,
ora zelando por eles, nos momentos de suas peraltices.
E o sonho adormeceu e eu não me apercebi do enorme vazio que estava
tomando conta do meu ser. Cresci, amadureci e me tornei mulher; descobri um
novo mundo, cheio de armadilhas e traições. Mas mesmo assim, de vez em quando,
o sonho se revira em minha cama de noite e ele se recorda daqueles dias em que
tudo era encanto e magia.
Velhos companheiros das sacanagens jamais esquecidas. Em que mundo vocês
se escondem? Será que só eu sinto saudades daqueles momentos mágicos onde havia
cumplicidade entre nós? Aqueles domingos há muito se perderam, mas eu ainda
navego por eles. Sei que nunca mais será como antes, pois “Nunca é o mesmo
rio que passa por nós”.
O passado não volta mais e o
presente se me apresenta em sobressalto e quanto ao futuro? Ah, este não me
pertence! Está repleto de incertezas, no entanto suavizado pela esperança de
que um dia eu ainda possa novamente viver momentos como aqueles ao lado dos
meus amados irmãos. Sou daquelas que ainda acredita em milagres, basta apenas
um toque, apenas um chamamento e os momentos mágicos renascerão.
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