ENTRE A DOR E O
PRAZER
Besteiras todo
mundo faz, mas aos sessenta anos de idade é inadmissível se cometer certos
excessos. Foi o que aconteceu comigo, quando meu marido e eu chegamos ao
aniversário de um amigo. A dona da casa, muito prendada e excelente anfitriã,
serviu-nos como entrada ao jantar que viria a seguir, fatias de pizza com
sardinha. Como estava com muita fome, comi uns dois ou três pedaços da danada
da pizza. Em seguida, vieram os famosos bolinhos de queijo, servidos em
bandejas, as quais passavam de mãos em mãos. Que delícia! E lá fui eu, dois,
três, quatro, perdi a conta... Os bolinhos vinham bem quentinhos e apetitosos.
Quando se está
com fome, nunca se pensa nas consequências. Bem, lá pelas tantas, vieram os
famosos pastéis de carne fritos e acompanhados de dois tipos de sopa, a sopa de
ervilha e a de “Capeletti”. E novamente, sem pensar no que poderia acontecer
com meu amado e delicado estômago, me atraquei nos pastéis, três, quatro ou
cinco, não me lembro quantos eu comi ao certo. Ah, claro, também provei um
prato de cada tipo de sopa. Que maravilha! Para uma degustação melhor das
iguarias, optei pelo vinho branco “Chardonnay”. Conversa vai e conversa vem! Que
papo gostoso! Entre risadas e cantorias ao violão, foi-nos apresentado um “Buffet”
de sobremesas. E é claro que tive que provar um pouco de cada uma delas. Uma
melhor do que a outra. Tudo muito bom, tudo excelente e perfeito. No entanto,
não sabia o que estava por vir.
Ao chegarmos em
casa, apenas para prevenir, tomei uma xícara de chá de marcela e me deitei. Em
seguida, adormeci e fui acordada repentinamente, lá pelas tantas da madrugada,
com uma terrível dor de barriga acompanhada por um forte enjoo. Deu tempo
apenas de vestir meu “roupão” e me fui pro banheiro, onde devo ter permanecido
lá por, pelo menos, uma hora. Depois de ter colocado todas aquelas
delícias pra fora, tomei um banho bem quentinho, pra ver se passava aquela dor
de cabeça insuportável e aquele mal estar; deitei-me, novamente, bem quietinha na
cama pra não acordar o maridão. Mas foi aí que começou meu verdadeiro calvário.
O danado do frio me apareceu de repente, tomando conta do meu pobre e sofrido
corpo, mas um frio tão intenso que nem dois edredons e os braços do meu marido
me envolvendo faziam com que eu parasse de tremer. Dizem os entendidos que quando
acontece isso é porque a pressão está muito baixa.
E enquanto todo meu
corpo tremia de dor e frio, uma jovem, na calada da noite, gemia de prazer. E
que prazer! E aquele ai,ai,ai, ai, me acompanhou durante todo o meu espasmo e aquilo
parecia não querer terminar nunca mais e o tremor que percorria todo o meu
corpo também não. Ela, talvez, desconhecesse o fato de que no silêncio de uma
noite ou madrugada, quando se perde o sono, pode-se ouvir tudo, as freadas e as
buzinas dos carros, o grito dilacerante de uma mulher, implorando por socorro,
o choro de dor ou fome de uma criança, o ronco de um homem ou até mesmo as
conversas dos vizinhos. Este é um dos problemas das acústicas dos edifícios, as
paredes parecem ter ouvidos.
Que falta de sorte! Nós duas, por motivos
diferentes, gemíamos, ao mesmo tempo. Enquanto ela corria desenfreadamente rumo
ao glorioso ápice, uma parte de mim clamava para que um novo dia se anunciasse
e outra, torcia para que as drogas ingeridas me fizessem cair num sono profundo
e que quando eu acordasse tudo não tivesse passado de um terrível pesadelo.
Sento-me na cama
e vislumbro, por entre as frestas da janela do meu quarto, algumas luzes acesas
nos arranha-céus. É a aurora que se anuncia e com ela a esperança de um novo
dia ensolarado e bem-aventurado.
Certamente, aquela
mulher nunca vai ficar sabendo que, enquanto a vizinha travava uma luta
infernal contra a dor e o frio avassalante que dominava todo o seu ser, ela também lutava, mas ao contrário de
mim, por um final sem dor alguma, um final exultante, prazeroso e triunfante.
24 de junho de 2013.
Alda Maria Kruse da
Costa